Juiz de Fora, 2 de dezembro de 2011

"As vítimas do Bullying podem ter problemas com relações íntimas na vida adulta, dificuldade de confiar nos outros, ser mais expostas à rejeição, à agressão social e como consequência mais severa, ao suicídio", afirmou a psicóloga.
Magricela, baleia, espinhento, quatro olhos, cabelo Bombril. Nem Gisele Bündchen escapou de apelidos pejorativos durante a época de escola, sendo muitas vezes chamada de Olívia Palito, somaliana e saracura. Dependendo da frequência com que são ditos e da intenção de quem os pronuncia, esses chamamentos podem representar o Bullying, cujas consequências tendem a assombrar para sempre a vida de suas vítimas.
Nossa entrevistada da semana é psicóloga, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisadora do Pólo de Pesquisa em Psicologia Social e Saúde Coletiva. Além de estudar sobre o Bullying, Adriana Aparecida de Almeida pesquisa violência, violência doméstica, violência entre parceiros íntimos, violência escolar e criminalidade.
Leia entrevista!
1)      Muito se fala sobre o Bullying e pouco se sabe sobre ele. Como a Psicologia o define?
O Bullying é um tipo de violência escolar que envolve atitudes adotadas por um ou mais estudantes contra outro, dentro de relações desiguais de poder, que podem ser devido a diferença de idade, tamanho, desenvolvimento psicológico, ente outros. Tais atitudes são caracterizadas como agressivas, intencionais e repetidas, ocorridas sem motivação aparente. No Bullying, podem ocorrer agressões diretas e físicas que envolvem chutes, socos, pontapés, empurrões, roubos a objetos dos colegas, dano a pertences, extorsão de dinheiro ou ameaça em fazê-lo; podem ser diretas e verbais que englobam colocar apelidos, insultar, fazer comentários racistas, homofóbicos, de diferenças religiosas, físicas, socioeconômicas, culturais, morais, políticas; e agressões indiretas que se referem a situações como excluir alguém sistematicamente do grupo de pares, ameaçar com frequência a perda da amizade ou a exclusão do grupo de pares como forma de conseguir obter algo ou como retaliação, excluir do meio social, ser indiferente, difamar e isolar.
Os comportamentos de Bullying também podem ocorrer através de vias eletrônicas como web site, salas de bate-papo, mensagens eletrônicas, sendo conhecido nestes casos como Cyberbullying ou bullying eletrônico. Esta forma de bullying pode ser considerada como agressão indireta visto que as mensagens desagradáveis são entregues a uma certa distância, não sendo cara a cara, e são de fontes anônimas, sendo difícil ou quase impossível descobrir quem originalmente enviou a mensagem.
É importante ter claro que nem todos os comportamentos agressivos que ocorrem entre os pares são caracterizados como Bullying, por exemplo, quando as agressões são pontuais e não envolvem desequilíbrio de forças não se caracteriza o Bullying. Em alguns conflitos, os envolvidos podem fornecer os motivos da discórdia, se desculparem, negociarem entre si, sem persistir no comportamento para conseguir as coisas a seu modo, não sendo, portanto Bullying. O Bullying é uma forma especial de comportamento agressivo que viola os direitos de uma outra pessoa, não podendo ser visto apenas como uma brincadeira entre crianças. Portanto, quatro pontos são primordiais para se caracterizar bullying: 1) os conflitos fazem referência ao abuso de poder que um aluno exerce sobre outro; 2) os comportamentos agressivos são repetitivos ou há a ameaça de que podem voltar a repetir-se; 3) as ações são praticadas de forma intencional para prejudicar ou magoar o outro; e 4) a vítima está em condição de vulnerabilidade e dificilmente consegue reagir às agressões.
2) Que medidas pais e escolas devem tomar para evitar a prática do Bullying?
O Bullying envolve comportamentos agressivos que muitas vezes são vistos como naturais, sendo ignorados ou não valorizados pelos professores e pais, favorecendo assim a perpetuação de tais comportamentos. Primeiramente, então, é importante que família e escola tenham clareza do que é o Bullying e das graves consequências que este traz para os envolvidos a curto e longo prazo, para assim terem consciência da importância de se intervir em tais episódios.
É importante investir em trabalhos de prevenção a violência que sejam continuados e que façam parte do contexto escolar. Estas medidas muitas vezes são simples e têm um baixo custo, sendo fundamental que envolvam pais, professores, funcionários e alunos visando implementar normas, diretrizes e ações coerentes, priorizando a conscientização geral, o apoio as vítimas, a conscientização dos agressores e um ambiente escolar sadio e seguro.
Algumas estratégias de intervenção que têm dado certo envolvem o interesse da escola em conhecer as famílias que são responsáveis pelos alunos, convidando-as para participarem de forma ativa na educação de seus filhos, viabilizando assistência para as que se encontram em situação de vulnerabilidade; também o treino de habilidades sociais que pode ser promovido junto a todos os funcionários e alunos da escola, promovendo regras de boa convivência coletiva, como o respeito entre os membros da escola e alunos, cordialidade, solidariedade e mudanças no clima escolar; além disso, as estratégias de resolução de conflitos que envolvem escuta ativa e atitude positiva frente àqueles envolvidos em situações de Bullying, demonstrando que a escola é um lugar de coletividade, que possui regras, e que sobretudo é um lugar de respeito mútuo, de diálogo e de enfrentamento conjunto das adversidades sociais, não somente punições a todo custo, ainda que, muitas vezes, os educadores se vejam impotentes diante dessas circunstâncias.
3) Como tratar quem pratica e quem sofre o Bullying?
Ambos têm que ser acolhidos, ouvidos e claro, “tratados”, caso exista claramente prejuízos físicos e psicológicos, dando maior ênfase ao desenvolvimento de comportamentos mais pró-sociais, empatia, com relação aos agressores e, com as vítimas, desenvolver habilidades, buscar estratégias para lidar e reverter os episódios, tentando assim minimizar as consequências do Bullying aos envolvidos.
4) Como se configura a personalidade de quem pratica o Bullying?
Os agressores de Bullying sentem necessidade de dominar e subjugar, de se impor através de ameaças; são impulsivos; toleram mal as frustrações; podem também apresentar atitudes hostis com adultos, se consideram rígidos e mostram pouca empatia por suas vítimas. São definidos como estudantes que têm grande necessidade de poder, gostam de estar sob controle e subjugando outros; têm satisfação em causar danos e sofrimentos; são frequentemente recompensados de alguma forma pelo seu comportamento, recompensas que podem ser físicas ou psicológicas como forçar a vítima a lhe dar dinheiro ou ganhar prestígio, atenção e status a partir de outros estudantes devido ao seu comportamento.
Normalmente se distanciam e não se adaptam aos objetivos da escola, supervalorizando a violência como forma de obter poder, e desenvolvendo habilidades para condutas delituosas, as quais, futuramente, os levarão ao mundo do crime. Assim, eles poderão adotar comportamentos delinquentes como: agressão, drogas, furtos, porte ilegal de armas, entre outros. O agressor acredita que fazendo uso da violência conseguirá tudo o que deseja, pois foi assim no período escolar. Com isso, pode ter sua vida destruída; acreditar que pode solucionar seus problemas através do uso da força; ter dificuldade em respeitar as leis e sofrer com os problemas advindos desta dificuldade; ter problemas com relacionamentos afetivos e sociais; ter incapacidade ou dificuldade de autocontrole; e apresentar comportamentos antissociais.
É importante ter clareza que a agressão precoce permite prever a violência posterior, mas esta previsão não é perfeita, pois podem acontecer erros de falsos positivos e de falsos negativos. No primeiro erro estariam os jovens em risco de violência, mas que não se tornam violentos e o segundo erro se refere aos indivíduos que não eram altamente agressivos na infância e que se tornaram violentos quando adultos.
5) Quem é vítima de Bullying carrega traumas para a vida toda?
Sim, as vítimas de Bullying são mais propensas a serem depressivas e a terem baixa autoestima quando adultas, também podem ter problemas com relações íntimas na vida adulta, dificuldade de confiar nos outros, serem mais expostas à rejeição, à agressão social e como consequência mais severa, ao suicídio, que pode ser o resultado direto ou indireto da vitimização constante.
6) A prática do Bullying é mais comum durante a pré-adolescência e adolescência? Por quê?
O Bullying pode acontecer em todas as idades, mas realmente na pré-adolescência e adolescência é mais comum. Não existem ainda evidências claras sobre o motivo desse maior ocorrência nesta fase, mas pesquisas sugerem esta fase como uma fase de maturidade e de grupalização (ou não grupalização) o que pode facilitar o bullying.
7) Existe alguma causa que leve o agressor a praticar o Bullying?
Não existe uma única ou simples causa para os comportamentos de Bullying. As pesquisas sugerem que algumas características da personalidade e tendências a comportamentos agressivos, combinados com a força ou fraqueza física (no caso dos meninos) são importantes fatores de risco. Além disso, alguns fatores ambientais como atitudes, rotinas e comportamentos dos adultos, principalmente dos professores e gestores das escolas, desempenham um papel importante em determinar se o assédio moral irá aparecer ou não no ambiente escolar.  Os alunos agressores também podem ter algumas características familiares comuns, como pais que não estão muito envolvidos na vida de seus filhos, a quem falta calor e envolvimento positivo; falta de limites claros; permissividade com relação ao filho agressor agir de forma agressiva com seus irmãos ou outras crianças; uso de castigos físicos e outros métodos pouco assertivos na criação dos filhos; e maior probabilidade de verem ou se envolverem em violência doméstica, assim a agressividade de tais indivíduos pode ser favorecida por condições familiares adversas como ser de uma família desestruturada, com relacionamento afetivo pobre, com tolerância ou permissividade excessiva, com maus-tratos físicos ou psicológicos, além de fatores individuais como hiperatividade, impulsividade, distúrbios de conduta, dificuldades de atenção, baixa inteligência e rendimento escolar ruim.
8 ) Colocar apelido pejorativo em alguém é uma forma de exercer Bullying? Por quê?
Sim, a partir do momento em que a vítima não gosta destes apelidos, dá sinais claros disso, acha-os pejorativos, tem sua autoestima diminuída, sofre quando se referem a ela através dos apelidos, não consegue reverter esta situação. Esta é uma forma de agressão indireta no Bullying, que pode trazer graves consequências a curto e longo prazo para a vítima, sendo muitas vezes encarada apenas como uma brincadeira, é importante que família e escola estejam atentas a esta forma de Bullying, tendo sempre em mente de que se for uma brincadeira os dois lados têm que brincar.
9) Qual sua opinião sobre a divulgação dos livros que abordam Bullying e distúrbios psicológicos?
Existem livros muito bons sobre estes temas no mercado. É importante antes de comprar um livro observar quem é o autor, com o que trabalha, evitando autores que escrevem vários livros de diferentes temas, pois o conteúdo pode ser abordado de forma superficial ou até mesmo deixar a desejar em alguns aspectos. Sugiro que dê preferência para autores que pesquisam os temas, que realizam pesquisas e que dedicam maior tempo para entender tais fenômenos. Em novembro, na UFJF, teve o lançamento de um livro de dois professores doutores do departamento de psicologia, Lélio Lourenço e Altemir Barbosa, que pesquisam e orientam estudos sobre o tema e de uma pesquisadora de Portugal (Beatriz Pereira), que é um dos maiores nomes da pesquisa em Bullying neste país. O livro se chama ‘Bullying: Conhecer e intervir’ e é muito bom para quem quer entender melhor o fenômeno do Bullying.
10) O que é mais difícil se tratar: o ímpeto da agressão psicológica ou o da agressão física? Por quê?
Não existe uma prioridade. Ambos são difíceis e requerem estratégias diferenciadas no tratamento. Muitas vezes, o ímpeto da agressão física está associado ao da agressão psicológica tendo que ser tratados juntos. Cada especialista deve investir em seu segmento e na forma como melhor entende o caso para que os resultados sejam favoráveis. Existem diferentes modelos que vão focar em pontos distintos, sendo muitas vezes a habilidade do terapeuta e a implicação do paciente que trarão maiores sucessos ao tratamento.
Por: Carolina Fellet
Foto: arquivo pessoal de Adriana Aparecida de Almeida
Imagem do Slide: veja.abril.com.br