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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

BULLYING: SEMPRE FRUTO DE OMISSÃO-II

Que a intervenção coletiva---nas situações que costumam evoluir para o assédio continuado nas escolas---é a maneira mais efetiva de bloquear sua evolução, parece-nos muito evidente. Segundo nossa impressão, aliás, é com a desmoralização provocada repetidamente em alguns, que um pequeno grupo consegue intimidar e controlar os demais. É o medo de atrair o assédio sobre si que faz com que a maioria se cale e se omita. Com isso, entretanto, e sem nos darmos conta, todos estamos também sofrendo sérias limitações na nossa expressão.

O medo costuma ser a maior fonte de inibição. Ou seja: o bullying atinge, necessariamente, a todos os que estão à volta.
Pode alguém, então, duvidar de que um sentimento de compromisso generalizado, entre as pessoas de uma sociedade qualquer, eleva a confiança e o bem estar de quase todos individualmente? Não precisamos enveredar por excessos de idealizações, mas a descida até as raízes de alguns problemas, no mínimo, dá sustentação à argumentação. É na escola que essas questões são mais intensamente exercitadas, afinal, costuma ser a primeira situação na qual as crianças ficam distantes da intervenção de seus pais, e por muito tempo.

Nesse processo de convencimento das maiorias em relação à importância do seu próprio papel, o mais ativo e efetivo há de ser o das meninas e moças. Onde a força bruta só faz agravar os problemas, uma intervenção feminina costuma funcionar, e muito melhor. É bom não esquecer: na natureza, os maiores conflitos (dentro da mesma espécie) se dão em função do recebimento da atenção das representantes do sexo feminino. Isso lhes confere um poder que a humanidade talvez não tenha explorado suficientemente. Deve fazer pensar, a relação: poder feminino/interações sociais menos agressivas, observada nos países escandinavos. Evitemos, porém, relações simplistas de causa e efeito. Em nossas discussões, costumamos pensar apenas no papel dos profissionais; fazemos discussões entre os profissionais, mas quem sabe se a formação de Conselhos de Alunos para identificar, discutir e traçar metas "anti-bullying" e/ ou de reinserção, para colegas que estejam nessa situação, não ajudaria?

Pensamos permanentemente no assédio, mas esquecemos de uma outra possibilidade, igualmente (ou ainda mais) traumática: o total isolamento e a situação na qual a pessoa sequer é vista pelos demais. Disse, em seu manifesto, um universitário coreano que matou 32 colegas nos EUA: todos tiveram inúmeras oportunidades para me olhar e dar atenção. Todas, entretanto, irremediavelmente perdidas. Há algumas décadas, usava-se a expressão  "É o pele da turma", para designar o mais humilhado do grupo. Não deixava de ser uma forma de inserção; um tanto perversa, é verdade, mas uma inserção. Para alguns, aquela era a única chance de ser aceito em um grupo. Essa é uma das razões pelas quais atitudes de super-proteção podem ser desastrosas, elevando a carga dessa mesma humilhação. Nem todo assédio caracteriza um bullying.

O jornalista Arnaldo Bloch---que tem como princípio dizer o que pensa e não o que os outros querem ouvir---quando do clamor que se seguiu ao massacre de Realengo, e foi dada importância ao bullying sofrido pelo atirador, fez uma curiosa e interessante "defesa do bullying". Com a sinceridade que lhe é peculiar, disse tê-lo sofrido e que isso fora muito importante no seu crescimento e afirmação pessoal. Quando, um dia, enfrentou um dos "assediares", não só passou a ser respeitado, como se tornou amigo de muitos dos que, até então, o maltratavam. Havia, entretanto, uma enorme diferença entre a situação por ele relatada e a que cercou o rapaz de Realengo. Uma provocação pode ser uma espécie de "ritual de passagem" de modo a fazer surgir um valor. O rapaz de Realengo, entretanto, e por diversas vezes, foi colocado em latas de lixo e teve sua cabeça enfiada em vasos sanitários. A única "passagem" que se poderia perceber nisso, seria para a morte. "Gritavam-lhe" ao ouvido: "V. não tem espaço (nem direitos) nesse mundo!". Teria sido bem melhor, é verdade, que tivesse  levado sua dor solitariamente para o túmulo, mas não foi o que aconteceu.

Um outro interesse havia no texto do jornalista: a libertação dos cuidados excessivos da mãe. Essa talvez seja a marca, aliás, de todos os rituais de passagem: libertação dos excessos de cuidados maternos. Quem pode diminuir a importância desses cuidados? Tudo o que é por demais importante, contudo, apresenta riscos proporcionais. No caso, um efeito inibidor muito perigoso. Mesmo aqueles que não aceitam essas idéias, não podem desconhecer os efeitos prejudiciais das intervenções de feitio maternal e super-protetor nas situações de assédio continuado.

Estamos convencidos, além disso, de que há um ambiente indutor do bullying em muitas das escolas que é "insalubre" para todos, do ponto de vista das relações humanas. Com uma frequência enorme, a escola perde o referencial de promoção de cidadania, o que implica, principalmente, promoção da nossa cultura. Dessa forma, e com frequência, a escola se transforma em ambiente gerador de competição predatória e antihumana. Não viemos ao mundo apenas para "tirar boas notas". Quem foi reprovado, não "perdeu o ano", ou sequer "levou bomba". Como diz o samba, nessas situações: "Ninguém morreu", ou, se morreu, foi por suicídio, induzido pelo sentimento de vergonha provocada pelos pais e professores. Nossa felicidade e afirmação pessoal não são medidas por números.

A tragédia de Realengo gerou pelo menos uma bela consequência, cuja consistência e permanência não temos como verificar: a promoção intensa de atividades culturais na própria escola. Por que, aquilo que acontece em dias muito especiais---em geral depois de grandes tragédias---não pode servir como referência para uma prática permanente? Como contrastam a Londres dos distúrbios, "quebra-quebras" e incêndios, e a Londres das imagens do povo dançando e se abraçando, quando da vitória na Segunda Grande Guerra!

"...Era uma canção,/Um só cordão, uma vontade/De tomar a mão/De cada irmão pela cidade/No carnaval, de esperança/ Que gente longe viva na lembrança/Que gente triste possa entrar na dança/Que gente grande saiba ser criança..."- "Sonho de Carnaval" C. Buarque

Que esses ambientes só se possam formar depois de grandes tragédias, soa como uma legitimação dessas mesmas tragédias. Se o cotidiano das cidades implica, necessariamente, o afastamento entre as pessoas e o sucumbir generalizado sob o peso do egoísmo---consumir e acumular riquezas---então precisaremos sempre de tragédias, pessoais e/ou coletivas.

Por fim: o valor e o poder da diversidade e a importância de acolher e procurar pelo diferente. Aqueles que sofrem bullying são, frequentemente, vistos como "diferentes". Será que não é hora de promover exatamente um interesse pelo "diferente" e reconhecer nele um valor? A natureza busca a diversidade. C. Baudelaire (1821-1867), depois de elogiar muitos artistas que tinham um perfil muito diferente do seu, e quando questionado quanto ao porquê, respondeu: "Por que procurar e louvar aquilo que se tem em quantidade quase supérflua? Como não exaltar o que nos parece mais raro e difícil de adquirir?". Temos, em nossa terra, uma enorme vantagem em relação a outras nações e povos: nascemos e crescemos sob o signo da diversidade. Faltava apenas descobrir nisso um valor. Assim como as crianças, precisamos muito da aprov ação de outros povos. Esse reconhecimento tem vindo, finalmente. Nosso risco de, com isso, enveredar por sensações de "superioridade" é pequeno. Se há alguma "superioridade" entre nós, ela está na capacidade de acolher, na disposição à alegria e no não querer ser superior a ninguém. Pensando bem, aí talvez resida alguma superioridade.

¹O assédio é apenas mais uma das disposições humanas. Que ele evolua para o bullying, é sempre consequência da omissão. Tantas citações de B. Brecht ( ) não são por acaso. Nunca a humanidade esteve ameaçada por um exército de "minotauros" anticultura e anti humanidade quanto aquele que também o expulsou de sua terra natal.

Márcio Amaral, vice-diretor IPUB-UFRJ, Prof. Adjunto UFRJ e UFF


Fonte: http://www.ipub.ufrj.br/portal/index.php?option=com_k2&view=item&id=191:bullying-sempre-fruto-de-omiss%C3%A3o-ii%C2%B9&Itemid=264

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