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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

BULLYING: SEMPRE FRUTO DE OMISSÃO - I


(Da participação na M. Redonda "Como Combater o Bullying"- H. Jesus, RJ, 29/jul/11- org: Gilberto Ferreira)
Márcio Amaral, vice-diretor IPUB-UFRJ, Prof. Adjunto UFRJ e UFF


Costumamos implicar com termos e expressões inglesas, especialmente quando substituem algumas que soam muito bem em nossa língua¹. Em relação ao termo bullying, entretanto, mais do que sua aceitação, faremos uma defesa apaixonada do seu uso, pois fornece um dos melhores instrumentos para sua desmoralização: deriva de BULL (touro), imagem sempre associada à força bruta e irracional e às expressões de seres, digamos assim, "quase humanos".
 
Se há algum simbolismo elevado nas touradas espanholas, ainda que históricamente, ele deve ser procurado na afirmação da capacidade humana de vencer a força bruta e irracional. Melhor ainda é a alegoria contida no mito do minotauro (parte homem, parte touro) que, por seu hibridismo, precisava de carne humana para se alimentar de maneira insaciável. Algo parecido acontece no bullying. Substituamos a carne pela alma; lembremos das expressões f isionômicas um tanto esvaziadas dos que o sofrem, e tudo fará sentido.

Antes de tudo, há que assinalar: no bullying, só identificamos vítimas.
 
Costumamos nos horrorizar com as histórias de assédios e maus tratos, cometidos contra pessoas ou povos inteiros. Condenamos essa conduta de forma veemente. Mas nos calamos a respeito das únicas pessoas que poderiam ter feito parar, tanto as pequenas maldades repetidas do cotidiano, quanto as "rodas da barbárie": as pessoas comuns, ou seja, nós mesmos. Calamo-nos e assistimos os acontecimentos como se aquilo não fosse conosco.

"Primeiro vieram buscar os comunistas/Mas eu não protestei porque não sou comunista/Depois vieram buscar os judeus.../...Os ciganos.../Por fim, vieram me buscar/E não havia mais ninguém para protestar" B. Brecht

Não estamos dizendo que todos têm que ser heróis ou coisa parecida. Não é necessário! Basta que cada um expresse, à sua própria maneira e segundo o seu estilo, o mal estar que sente com a situação. Por vezes, basta um olhar firme para que as coisas tomem um outro rumo, até porque, logo outros tenderão a ser solidários. Inaceitáveis mesmo, são o sorriso constrangido e falso ou o "fingir não tomar conhecimento".

A primeira omissão costuma partir dos profissionais da área: professores e funcionários das escolas, cuja atenção costuma ser mais voltada a evitar "bagunça e agitação". Uma professora da turma do atirador de Realengo, disse que sabia do assédio que ele sofria, mas que estavam mais preocupados com os "bagunceiros"². A preocupação permanente com o problema e um olhar atento SEMPRE identificam o início e evolução dessas situações de assédio continuado. Por definição, a humilhação busca a publicidade e só atinge seu objetivo plenamente quando torna pública a "inferioridade" de alguém, grupo ou povos inteiros. Se podemos fazer uma sugestão, baseada em observações ouvidas de professores, estamos convencidos de que uma observação dos acontecimentos durante os recreios, certamente identifica o problema com clareza e rapidez. Não deve haver desculpas para a OMISSÃO.

Um considerável complicador, deriva da tendência de muitos professores a ter como referência, para suas aulas, apenas os "alunos-modelo", esquecendo-se dos demais, ou os hostilizando (e, nos dias que correm, sendo por eles também hostilizados). Isso pode agravar muito as possíveis situações de bullying, seja por ciúmes, seja por inveja, além de predispor (contra as possíveis vítimas) alunos não envolvidos com o assédio. Com isso, retira-se, ainda, a sua maior fonte de apoio, como veremos adiante.

No que se refere à atuação dos profissionais junto aos alunos, há que dividir esses últimos em três grupos: os que SOFREM, os que PROMOVEM e os que ASSISTEM o assédio. As atuações junto aos que SOFREM, durante a situação, além de pouco produtivas, apresentam o risco de reforçar um papel de "pobrezinho". O objetivo da atuação não deve ser apenas fazer parar o assédio momentaneamente, mas também gerar capacidade para enfrentar outras situações no futuro. A mera proteção individual não deve ser um objetivo final. Discursos, dirigidos aos que sofrem, exigindo ENFRENTAMENTOS, também não devem ser tomados como regra, sob pena de aguçar ainda mais a sensação de impotência. Seria uma espécie de assédio na outra ponta. Há pessoas para as quais certo tipo de conflito é absolutamente impossível. Aceitável, nesse caso, pode ser uma informação sem cobranças: "Já vi situações em que, depois d o enfrentamento, e mesmo tendo apanhado, a pessoa passou a ser respeitada e o assédio parou!".

Interessante, como uma espécie de experimento de investigação psicológica foi o que fizeram duas adolescentes assediadas continuamente por um grupo na escola. Combinaram andar sempre juntas e, assim que encontrassem uma das assediadoras sozinha, tomariam a iniciativa do deboche ostensivo. Quando o fizeram, o desconcerto da outra teria sido enorme o que as reforçou bastante. Diríamos que ninguém está imune a se abalar seriamente diante de um deboche provindo de um grupo qualquer. Além de um tanto imoral, entretanto, uma orientação do gênero poderia causar um mal ainda maior, uma vez que, fazer algo contrário à própria índole, pode ser muito prejudicial.

Intervenções de convencimento e esclarecimento junto aos que PROMOVEM o bullying, especialmente quando dirigidas aos líderes dos grupos, não são muito efetivas, embora devam ser feitas. Podem inibir a ação momentaneamente, mas logo tudo tenderá a voltar a acontecer. Há que se observar e reparar naqueles que apenas seguem os líderes por medo e submissão. Nesses está o ponto fraco do grupo e é onde sua unidade pode ser quebrada. O bullying praticamente nunca ocorre sem alguma platéia e sua típica estrutura hierárquica (semelhante à observada entre prisioneiros e grupos de primatas confinados, em geral). Há que desmoralizar qualquer "glamour" que se possa associar ao assédio e, para isso, há que estimular a independência dessas pessoas em relação à liderança dos assediadores. É bom nunca esquecer de que, por definição, estamos falando de menores de idade: pessoas com personalidade e caráter em formação³. Não compartilhamos do espírito de ódio e vingança veiculado em matéria da "Veja": "Abaixo a Tirania dos Valentões".Estamos convencidos de que todos têm a ganhar com a inibição do bullying, inclusive aqueles que o promovem. De uma certa forma, eles "não sabem o que fazem" (embora as responsabilidades devam sempre ser cobradas).

"Em minha parede há uma escultura japonesa em madeira/Máscara de um demônio mau, coberta em esmalte dourado/Atentamente, observo as veias dilatadas da fronte, indicando/Como é cansativo ser mau!" B. Brecht, "A Máscara do Mal"

(CONTINUA)

¹O que dizer das palavras que o inglês tomou do latim (através do francês, na sua maior parte), estropiou e nos "devolveu"? Eventually, actually, ediction e tantos outros, são exemplos. Temos ouvido "eventualmente" (mas com muita frequência) sendo usado de uma maneira que, em português, é completamente errada. Só perguntando: "Eventualmente, vamos todos morrer?". Já em relação ao verbo DELETAR, curiosamente, temos que agradecer aos ingleses o retorno do delere no seu sentido original: Dele iniquitatem mean ("apaga a minha injustiça", S 51); indelével (aquilo que não se apaga).

²Algo de parecido acontece nas famílias, onde algumas depressões são negligenciadas, mas quando surgem as primeiras manifestações de uma possível hipomania---com suas típicas atitudes "pouco convenientes"---logo adotam providências, nem sempre razoáveis.

³A melhor maneira de destruir um bom conceito é sua utilização sem critério. O termo deve ser aplicado apenas a menores de idade e, preferencialmente, restrito às escolas. Há certas situações, em condomínios, ruas e clubes que muito se assemelham ao bullying. À procura de um bom critério, sugerimos: situações e ambientes dos quais a pessoa não tem como evitar ou escapar.

Márcio Amaral, vice-diretor IPUB-UFRJ, Prof. Adjunto UFRJ e UFF

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