Outro dia estava assistindo uma Palestra quando ouvi como referência a, extinta, ABRAPIA ( Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e ao Adolescente ) como se a mesma estivesse funcionando normalmente. Num outro dia, li uma reportagem que, também, recomendava os leitores procurarem por ajuda através da associação.
Acredito que por ser um referencial tão importante com relação ao Bullying, as pessoas não acreditem que a ABRAPIA não mais funcione. Mas, INFELIZMENTE, essa é a verdade: A ABRAPIA fechou e há muito tempo! ( Ao conversar com o Dr Aramis Lopes, no início do mês passado para contar as novidades do nosso processo movido contra o colégio NSP, fiquei sabendo desta triste notícia)
Eu, particularmente, fiquei extremamente arrasada porque, sinceramente, eu não saberia dizer que rumo teria tomado a história do bullying que a minha filha sofreu. Sou e serei muito grata a toda equipe, em particular ao Dr Aramis, pela ajuda e orientação recebida na época. O Dr Aramis terá a minha admiração eterna!
Apesar de acreditar que o trabalho desenvolvido por eles deixou sementes que hoje colhemos, (se a sociedade consegue enxergar o Bullying e todos os seus malefícios, isso se deve com toda certeza ao ‘plantio’ executado graças a visão precursora dos fundadores da ABRAPIA), não há como não lastimar a falta que esta Associação faz!
>> Vejam abaixo a entrevista que o DR Lauro Monteiro deu na época do fechamento.
Há mais de 20 anos ele promove e defende os direitos de crianças e adolescentes. Fundador da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e a Adolescência (Abrapia), o pediatra Lauro Monteiro por muito tempo levou adiante o trabalho da ONG por idealismo. Em suas palavras, "tinha um sonho a concretizar". Duas décadas após a criação da organização, porém, ele está decepcionado. A falta de apoio financeiro fez com que decretasse o fim da entidade, responsável pela criação de serviços de atendimento e denúncia contra a exploração sexual infantil, além de campanhas contra o bullying (comportamento agressivo em escolas) em todo o país. Empresas e Estado deixaram de apoiar seus projetos. Devido às dificuldades que encontrou nos últimos anos, ele recomenda cuidado a quem pensa em abrir uma organização não-governamental. "Parei de procurar apoio. Meu conselho hoje em dia aos idealistas é 'não abra uma ONG'". Nesta entrevista, o pediatra conta as razões de sua frustração. Rets - Por que, depois de 19 anos, a Abrapia fecha as portas? Lauro Monteiro - Por vários motivos, mas o principal é a falta de apoio aos nossos projetos. A Abrapia completaria 19 anos em outubro. Criamos telefones de atendimento à crianças e adolescentes e pautamos a mídia por diversas vezes. Muitas das iniciativas da Abrapia foram pioneiras. Porém, desde janeiro de Rets - Com quais apoios a organização contava? Lauro Monteiro - Cada programa tinha um financiador. O programa Sentinela (de apoio a crianças vítimas de abuso sexual), por exemplo, era apoiado pela prefeitura do Rio de Janeiro. No fim de 2005, porém, fomos avisados que não haveria renovação do contrato. Até aí, tudo bem. O problema é que, durante muito tempo, tivemos que lidar com atrasos de pagamentos que nos obrigaram a pedir empréstimos para honrar nossos compromissos. Sem a renovação, ficamos sem dinheiro para pagar as dívidas. Chegamos a propor à prefeitura, quando da assinatura do contrato, uma cláusula que impunha uma multa para atrasos no pagamento, mas isso não foi aceito. Ficamos sem dinheiro para pagar os funcionários. Isso acaba com qualquer ambiente de trabalho. Rets - A iniciativa privada tinha alguma participação no apoio a projetos? Lauro Monteiro - Tivemos apoio de várias empresas, mas todos com data para acabar. O problema é que enfrentamos muita dificuldade para conseguir novos aportes. Fui a vários locais pedir ajuda, mas tudo era limitado demais. Surgiam, então, pessoas que faziam projetos e intermediavam os contatos com alguns financiadores, mas cobravam até 30% do valor do contrato. Como poderíamos abrir mão de um terço das receitas? Rets - Você está frustrado com essa situação? Lauro Monteiro - Como disse, estou tranquilo. Mas fico triste por ninguém ter assumido o Teca (Telefone Amigo da Criança e do Adolescente). É preciso convencer os governos da importância desse programa, que abre um canal para as vítimas denunciarem abusos. Mas já perdi a esperança. Outro exemplo é o programa de conscientização sobre a prática de bullying, problema antigo, mas nunca discutido. Trouxemos o projeto da Inglaterra em 2001, mais de dez anos depois de ele ser introduzido por lá. A Abrapia foi escolhida em uma seleção de projetos de uma empresa estatal e o programa foi considerado um sucesso. Quando o contrato chegou ao fim e perguntei se iriam renová-lo, pessoas de dentro da empresa me disseram que não, pois ele não era mais considerado prioritário, pois não se encaixava nos objetivos do Fome Zero. Daí me aconselharam a escrever um novo projeto, dentro da linha financiada pelo governo federal. Mas como a Abrapia faria isso? Não temos experiência em combate à fome. Nossa área é a de direitos da criança e do adolescente. Depois de muita briga, decidi parar de procurar apoio. Meu conselho hoje em dia aos idealistas é "não abra uma ONG". O Estado não quer apoiar, as empresas também não. Há ainda muita confusão no terceiro setor. Rets - Que confusão? Lauro Monteiro - Há deturpações. Dizem que há cifras muito altas sendo gerenciadas por ONGs, mas essas são uma minoria. Há confusão entre as fundações empresariais e as ONGs. As pessoas pensam que devido à confortável situação financeira de algumas fundações, todas as ONGs estão assim. Eu trabalho como voluntário há muito tempo, não ganho nada com isso. Perdemos nossa sede uma vez, conseguimos outra. Tem gente que trabalha em sala emprestada. Claro que há pequenas organizações que, por vários motivos, se deram melhor que a Abrapia, mas isso não é um fato generalizado. Rets - Por um lado, há falta de apoio financeiro, mas por outro também deve haver problemas administrativos. Falta profissionalismo ao terceiro setor no Brasil? Lauro Monteiro - Falta. Não sei se para o bem ou para o mal. Hoje em dia, há muitos cursos de gestão de ONGs. Cheguei a ler vários livros de administração para entender um pouco melhor como as coisas funcionam, mas atualmente existe uma indústria em cima do terceiro setor. Ao mesmo tempo, precisamos de gente que trabalhe não pensando somente no dinheiro que vai ganhar, mas também nos objetivos da organização. No nosso caso, voltados para os direitos humanos. É possível profissionalizar a equipe até certo ponto. E isso é importante. Mas há dificuldade em conseguirmos profissionais qualificados em todas as áreas. Conseguimos atrair muita gente boa para a parte programática da ONG, para atuar em suas atividades-fim, mas para a parte administrativa, por exemplo, é mais difícil. Poucas organizações têm como pagar os salários de mercado para bons profissionais de administração. Rets - Você acredita que há uma crise ética das ONGs? Lauro Monteiro - Não exatamente. Porém, as entidades precisam ser mais independentes. As ONGs estão em crise financeira e a Abrapia é um exemplo disso. Elas não sabem ganhar dinheiro e nem acham que devem. Ainda assim, há pessoas que vêem o trabalho nesse setor como um grande negócio. Rets - Na sua opinião, qual é o papel das ONGs hoje em dia? Lauro Monteiro - As ONGs não podem ser responsáveis eternas pelos serviços que introduzem. Nosso papel é divulgar idéias, ser proativos, cobrar, criar. O governo, entretanto, é no máximo reativo. Nosso papel não é atender, prestar os serviços do Estado para sempre, mas os governos sempre acham que as ONGs vão dar um jeito de levar adiante programas que criam e que muitas vezes são reconhecidos como uma necessidade. Rets - Com o fim da Abrapia, surgiu o Observatório da Infância e da Adolescência. Como ele funcionará? Lauro Monteiro - Está tudo muito lento, pois estou pagando tudo do meu bolso. Estou em busca de apoio. Levei um ano fazendo o site, no qual pretendo divulgar os direitos das crianças e cobrar medidas neste sentido. Também vou fazer palestras e me relacionar com a mídia. Rets - Há 20 anos o senhor atua nessa área. A situação melhorou? Lauro Monteiro - Comecei em 1980 no Hospital Souza Aguiar, no Rio, e, desde então, vejo muitas melhorias. Naquela época, por exemplo, as mães não podiam acompanhar os filhos doentes. Era proibido. Para a opinião pública, o abuso sexual não existia - na verdade, ninguém falava sobre isso, era coisa de menino de rua. Hoje já se fala, sabemos que acontece em todas as classes sociais. Foi feito o Estatuto da Criança e do Adolescente, cujo cumprimento não é ideal, mas existe. Então, de uma forma geral, as coisas estão melhores na luta pelos direitos da infância e adolescência. (Fonte: Marcelo Medeiros - www.rits.org.br) |
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