O problema existe, mas o Estado não possui estatística sobre o tema; o Conselho Tutelar não está familiarizado com o assunto; não há projetos dentro da política de Educação da rede estadual, muito menos recurso específico para a execução de ações preventivas ou treinamentos.
Elder de Abreu / da subeditoria de a Gazeta
Esta semana a professora Maria Reis vai levar o seu filho L.R.S., de 12 anos, para fazer a segunda tomografia. O exame é uma exigência médica para avaliar detalhadamente os danos causados pela agressão ao pré-adolescente, ocorrida três semanas atrás dentro da sala de aula, na Escola Estadual Zolito de Jesus Nunes, no bairro Beirol, em Macapá.
Na tarde de quinta-feira, 28 de Abril, o menino foi encurralado por quatro colegas de turma, antes do professor entrar na classe. Enquanto três deles o seguravam, um quarto – fisicamente mais avantajado – aplicava tapas e socos. Os golpes atingiram principalmente a região da cabeça. A agressão só não continuou porque outros estudantes da turma impediram.
A mãe da vítima, que ainda chora ao recordar-se do fato, durante a entrevista contou que no mesmo dia, à noite, teve que levar L.R.S. ao pronto-socorro por causa de um sangramento no ouvido esquerdo. “Ele me diz que ainda sente um pouco de dificuldade para escutar desse lado. A tomografia é para saber se há coágulos dentro do aparelho auditivo. O médico ainda está investigando”, explicou Maria Reis. Ela contou que o filho se tranquilizou quando ela anunciou que havia conseguido sua transferência para outra escola – também da rede pública de ensino.
O tipo de violência sofrida pelo agora ex-aluno do colégio Zolito Nunes, não é mais novidade para os profissionais ligados à Psicologia e Educação, bem como autoridades da Infância e Juventude. A banalização das notícias de agressões entre estudantes tirou o assunto do anonimato. Entretanto, lidar com esse problema ainda é embaraçoso para a grande maioria deles. O bullying não é somente o tema do momento, eleito pela mídia. É uma realidade para a qual o Amapá ainda não está preparado, principalmente no ambiente escolar.
A não ser pelos dispersos e raros relatos de alunos, o Estado não tem sequer um único dado oficial sobre a incidência no ambiente escolar. Se na rede particular a preparação para o enfrentamento do bullying apenas engatinha – com esporádicas palestras –, na pública essa preocupação ainda é embrionária.
O assunto é debatido e pesquisado cientificamente há quase duas décadas no Brasil, mas somente este ano é que a Secretaria de Estado da Educação (Seed) vai inclui-lo na grade de temas transversais – onde é recomendada às escolas a abordagem com a comunidade escolar de questões como sexualidade, gravidez, racismo, álcool, tabagismo e outras drogas. De acordo com a chefe do Núcleo de Atendimento à Saúde do Educando (Same) da Seed, Nilza Pinheiro Soares, um questionário destinado às escolas, onde o bullying figura como tema transversal, foi elaborado, porém, ainda está em fase de aprovação pela secretaria e os conselhos Tutelar e de Educação. Esse documento tem o objetivo de apontar quais os maiores problemas encontrados pelo corpo técnico de cada estabelecimento de ensino e, a partir daí, iniciar a elaboração de projetos que justifiquem a destinação de um recurso público específico. “Se o questionário mostrar que em determinada escola o bullying se evidencia em relação aos outros problemas, nós iremos dar o direcionamento merecido”, diz Nilza.
Enquanto persiste a inexistência de uma política educacional definida, a problemática vai ficando cada vez mais frequente. Silenciosa para quem não trabalha diretamente com a educação de crianças e adolescentes, a intolerância entre os jovens se projeta à velocidade com que vídeos relacionados ao bullying são postados na internet – amplamente acessada dos celulares destes mesmos alunos.
Cyberbullying: a intimidação virtual
A intolerância de uns jovens para com os outros não acontece apenas no contato físico. O bullying transcende a barreira do real e ocorre também no mundo virtual. É o que os especialistas definiram como cyberbullying.
Esta modalidade envolve o uso de tecnologias de informação e de comunicação para dar apoio ao comportamento agressivo. Os métodos envolvem sites de relacionamento, redes sociais, comunidades, fotoblog, blogs, e-mails, torpedos, entre outros, e podem levar as vítimas a situações altamente incômodas e indesejáveis, difamando sua imagem virtual. Foi o que aconteceu com a filha de uma das entrevistadas pela reportagem de a Gazeta. Nilza, a chefe do Nase, teve que transferir de colégio sua filha caçula, de 11 anos, para distanciá-la de estudantes da mesma turma que a perseguiam constantemente – segundo relatos da criança.
Segundo o relato dela, as intimidações começaram com pequenas brincadeiras de mau gosto, que em seguida avançaram para agressões verbais. Depois, a vítima começou a receber intimidações e ameaças na sua caixa e email. Ela resolveu então revelar o problema à mãe, que preferiu transferi-la de escola. “A escola não fez muita coisa. Como a agressora é filha de um político muito influente no Amapá, achei melhor tirar a minha filha do colégio”, decidiu Nilza. Este ano, sua filha está de volta ao estabelecimento, mas num turno diferente do ano passado, quando os fatos ocorreram. “É um colégio com excepcionais referências em termos de formação do aluno, mas, como outros, das duas redes de ensino, não está preparado para o bullying”, reconhece.
Origem
O termo bullying vem da palavra inglesa bully que, como substantivo, significa rixa, tirânico, valentão e, como verbo, significa ameaçar, maltratar, oprimir.
Na escola
O bullying escolar ocorre quando um ou mais alunos praticam ações agressivas, intencionais e repetitivas, verbal ou fisicamente, sem motivo evidente, contra um ou mais colegas.
Na web
O cyberbullying envolve o uso de tecnologias de informação e de comunicação para dar apoio ao comportamento agressivo. Os métodos envolvem sites de relacionamento, redes sociais, comunidades, fotoblog, blogs, e-mails, torpedos, entre outros, e podem levar as vítimas a situações altamente incômodas e indesejáveis, difamando sua imagem virtual.
Ambiente familiar desestruturado pode ser o início do problema
O bullying é um tema fortemente ligado à Educação. Porém, não é só dentro da escola que ele ocorre. Entre os diversos estudos dentro da temática, uma vertente aponta que os estabelecimentos de ensino, em sua grande maioria, são apenas ponto de encontro de vítimas e agressores psicologicamente já formados. Nesse caso, o impulso de violência teria origem dentro do ambiente familiar.
Essa é uma das teses defendidas pela psicóloga Lindalva Jardina. Entre os principais fatores para o surgimento de agressores e vítimas nos lares, ela destaca dois: maus tratos desde a infância, e perdas de valores antes ensinados em família (sociais, morais, éticos e cívicos). “A violência não está alocada na escola, nem sempre, mas na grande maioria das vezes, ela migra da família para a escola”, reforça.
A psicóloga sustenta o argumento na desestruturação familiar. De acordo com ela, as crianças podem absorver das mais diferentes formas o tratamento dado pelos pais e demais parentes. “A educação nos primeiros anos de vida pode definir o psicológico de uma pessoa. Ajustar a conduta depois dos sete anos de idade é muito complicado. Por isso, é nessa fase que pode ou não surgir um futuro agressor ou vítima”, explica.
Promotora de Justiça do Ministério Público Estadual do Amapá (MPE) há mais de 20 anos, titular da Promotoria da Infância e Juventude, Jardina escreveu os três projetos no qual a instituição trabalha temas voltados para este público. No Programa “Bom Dia, Família, Escola e Sociedade”, o bullying ganhou mais espaço no último ano.
Durante a atuação do projeto, que atende às redes pública e particular de ensino, Jardina notou duas falhas que precisam ser corrigidas para que o Amapá possa avançar no enfrentamento da violência infanto-juvenil. Os Corpos Técnicos escolares não possuem dois profissionais fundamentais: o assistente social e o psicólogo. “É preciso que a escola tenha pessoas especializadas porque é muito difícil enxergar quem tem um impulso de violência”. Outra dificuldade é falta de preparação do Conselho Tutelar. “Ainda falta muito para que esse órgão atinja o que é preciso”, revela.
Aos pais de alunos vítimas do bullying, Jardina alerta também que a decisão de afastar os filhos dos agressores não é a solução ideal. “Só mudar de lugar não resolve o problema. Isso é uma medida paliativa. O Bullying vai continuar avançando se não houver uma mobilização geral, com Estado, Municípios, legislativo e a Justiça alinhados. A preocupação tem que ser de todos”, avisa.
País não tem lei federal específica
O Brasil não tem uma lei federal sobre o combate ao bullying. Um projeto de lei propõe que as ações de combate ao bullying sejam detalhadas na Lei de Direitrizes e Bases da Educação. O projeto aguarda votação na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado. A proposta, de autoria do senador Gim Argello (PTB-DF) quer incluir entre as incumbências dos estabelecimentos de ensino a promoção de ambiente escolar seguro e a adoção de estratégias de prevenção e combate a intimidações e agressões.
Alguns estados e municípios, no entanto, adotaram leis de combate ao bullying. O Rio Grande do Sul teve a lei que prevê políticas públicas contra o bullying nas escolas estaduais e privadas de ensino básico e de educação infantil sancionada no ano passado. A lei não prevê punições aos estudantes, apenas ações educacionais.
Em Santa Catarina, a lei de combate ao bullying foi sancionada em janeiro de 2009 pelo governador Luiz Henrique da Silveira. O projeto de autoria do deputado Joares Ponticelli (PP) obriga às escolas a criar uma equipe multidisciplinar, com a participação de docentes, alunos, pais e voluntários, para a promoção de atividades didáticas, informativas, de orientação e prevenção.
A cidade de São Paulo tem uma lei de 2009 sancionada pelo prefeito Gilberto Kassab que determina que as escolas públicas da educação básica do município deverão incluir em seu projeto pedagógico medidas de conscientização, prevenção e combate ao bullying escolar. A lei prevê a promoção de ações de prevenção e combate ao bullying, capacitação dos professores e orientação das vítimas “visando à recuperação da auto-estima”.
Outros projetos estão em tramitação para se tornarem leis municipais e estaduais. No Rio, uma lei aprovada ano passado prevê punição das escolas que não denunciarem funcionários e alunos que praticarem o bullying. A Assembléia Legislativa aprovou esta semana uma outra lei de caráter mais educativo para a promoção do combate a esta prática nas escolas.
Legislação
Não há lei específica em torno do problema, mas, os atos de bullying ferem princípios constitucionais – respeito à dignidade da pessoa humana – e ferem o Código Civil, que determina que todo ato ilícito que cause dano a outrem gera o dever de indenizar.
Como é a prática?
O bullying se caracteriza principalmente por atitudes como dar apelidos pejorativos e às vezes até pela agressão física. A pessoa é exposta à humilhação, ao constrangimento e também ao medo de não ser aceito.
Quais são os sintomas?
As crianças e adolescentes vítimas de bullying geralmente apresentam depressão, tristeza. É comum não quererem ir à escola e perderem o interesse pelos estudos. Os pais devem ficar atentos a qualquer mudança no comportamento dos filhos nesse sentido.
Como tratar?
A vítima não tem como se defender. Isso pode trazer conseqüências na vida da criança ou adolescente. Em casos extremos, a vítima e o agressor devem receber acompanhamento psicológico.
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