Uma das pragas no nosso tempo é a “psicologização” do mundo. Explico-me: sei que a dimensão psíquica está presente em todo fato humano. Não estou negando isso. O que me incomoda, na verdade, é a banalização de categorias psicológicas ou psicanalíticas, que passam a ser manejadas de maneira simplista, transformando-se num risco potencial ao menos. Quantos pais, contaminados, por exemplo, pela baboseira da educação “libertária” — que nunca “reprime” —, criam verdadeiros monstrinhos, sem idéia de limites?
Já fui professor. Sei que isso a que se passou chamar “bullying” existe. É uma coisa séria. As escolas, no geral, não trabalham adequadamente com o assunto.
Mas vamos devagar aí! É preciso tomar dois cuidados:
a) não chamar “bullying” o que é, muitas vezes, um choque de diferenças. Crianças e adolescentes precisam ser, em larga medida, “reprimidos” mesmo, contidos. Mas o choque é inevitável. Cumpre não criar monstros da intolerância, mas também não criar “cotas” de tolerância. Sempre adorei futebol, mas fui um jogador lastimável. Era, além de tudo (sou) meio cegueta. Os meus amigos zoavam da minha ruindade? Sim! Sempre que pude, me vinguei no que conseguia ser melhor. Nem eu nem eles viramos jogadores de futebol. As minhas habilidades de então são mais úteis para mim hoje do que as deles para eles. A vida é complexa…
Quando afirmo que os educadores, em regra, não estão preparados, estou querendo destacar que o alvo do “bullying” precisa ser lembrando, com a linguagem adequada à sua idade, que ele também é parte daquela narrativa; também é personagem. O bullying não se faz só com a ação dos molestadores, mas também do molestado. Uma escola não pode eleger nem as vítimas de expiação nem as vítimas de estimação.
b) Essa história de associar o “bullying” a assassinatos em massa ou algo assim é similar à sociologia barata que associa o crime à pobreza. Pode até haver uma certa correlação? Pode! Mas relação de causa e efeito, bem, isso eu não creio. Assim como o pobre que vira bandido precisa tomar a decisão moral de fazê-lo (em oposição à esmagadora maioria de pobres que escolhem não ser), entendo que o “bullying” possa exacerbar alguma doença psíquica que o sujeito já tenha; pode ser um fator agravante, não determinante.
Por que escrevo isso tudo? Porque acredito que é preciso tomar certos cuidados. Na sociedade da hiper-informação, tudo circula. Não me aparece adequado fazer a seguinte relação: “causa: era discriminado pelos amigos - efeito: saiu matando”. Adolescentes vivem injuriados pelos mais diversos e, quase sempre, irrelevantes motivos. Essa narrativa da “vítima” que se vinga pode ser mal digerida por quase-crianças que não têm o devido discernimento, ainda que mentalmente saudáveis.
O bullying, em suma, não pode ser tratado, por um caminho perigosamente insuspeitado, como a explicação para o triunfo trágico da vítima. É preciso que fique claro que o assassino das crianças as matou porque tinha uma grave doença psíquica, não porque era alvo da chacota dos colegas. É preciso ficar bem claro que ninguém mata por isso!!!!
Por Reinaldo Azevedo
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